Engenharia e Computação Numérica

Modelo Matemático vs Modelo de Elementos Finitos: Entenda a diferença e evite 5 erros comuns

Contexto

É muito comum, quando nos deparamos com um problema na engenharia que demanda uma simulação numérica, aprontarmos rapidamente um modelo de elementos finitos (ou outro método aplicável) para determinarmos uma solução. No contexto da indústria, onde a concorrência exige pressa, isso fica ainda mais agravado.

Apesar disso, devemos ter em mente que, entre a compreensão do problema e a sua solução, há etapas essenciais que devem ser completadas e que sua negligência pode conduzir a soluções que não representem adequadamente a realidade física do problema. Ou seja, quando ignoramos uma sequência de passos, construímos uma solução matemática sem respaldo nos princípios físicos.

Um bom exemplo do qual me lembrei enquanto escrevo este artigo é o de um aluno que, em uma prova de teoria das estruturas, calculou a deflexão de uma viga com deslocamentos que chegavam a quilômetros – é uma solução matemática, mas certamente não têm base na física. Esse exemplo não consiste em um erro de modelagem matemática necessariamente, mas ilustra bem o que ocorre quando negligencia-se os princípios físicos envolvidos no problema.

Modelagem significa simplificação.

No processo de construção da solução, uma grande parte do trabalho está na elaboração do modelo matemático, onde transformamos o problema real numa abstração analítica, em que os aspectos importantes e detalhes para os cálculo são considerados, como abordaremos adiante. Contudo, confundir a elaboração de um modelo matemático com a de um modelo de elementos finitos é um equívoco comum que pode levar a cálculos inconsistentes, modelos de má qualidade e até a falhas críticas nas análises numéricas.

A seguir, serão apresentados alguns exemplos de pontos que devem ser avaliados no desenvolvimento de uma modelagem matemática voltada para análise numérica em engenharia.

Modelagem Matemática: O primeiro passo para a construção do modelo de elementos finitos.

O primeiro passo para a busca da solução de um problema em engenharia, no qual será utilizado o método dos elementos finitos, é a criação de um modelo matemático. Este modelo consiste em uma formulação abstrata que traduz o entendimento dos fenômenos físicos envolvidos no problema, bem como das demandas que de fato devam ser resolvidas. Assim, vincula-se o modelo de elementos finitos ao problema real, utilizando-se de considerações e simplificações, viabilizando o estudo.

Para ilustrar melhor essa ideia, vamos ao seguinte exercício mental: em um projeto de um predio com treliças e vigas (veja, por exemplo a casa do comércio, na imagem acima), é possível que estudemos o escoamento do ar por entre os diversos espaços livres dentro da estrutura e determinar a força resultante do vento sobre o as regiões internas e externas do prédio. Observe que esta decisão inclui mais um modelo numérico (que pode ser método dos elementos finitos, volumes finitos ou outros), e assim, se realizarmos este estudo, certamente encontraremos uma solução mais robusta pra o projeto como um todo.

Contudo, não é razoável ter a intenção de considerar esse fenômeno na solução do problema, pois adicionaria ao modelo um grau de complexidade que poderia levar os cálculos do projeto à sua inviabilidade (por se tornar muito caro, extenso ou muito complexo!).

Assim, lança-se mão de simplificações e considerações que nos levam à construção do modelo matemático com base em experiências prévias, neste caso, previstas em normas técnicas. Dessa forma, no nosso exemplo, as demandas da análise, isto é, as variáveis de interesse do analista, estão relacionadas com as tensões e deformações dos membros estruturais, uma vez que as forças devidas ao vento podem ser simplificadas sem risco à segurança estrutural (veja, para mais detalhes, https://abnt.org.br em que a NBR 6023 é a norma utilizada para estimativa das ações do vento em edificações no Brasil).

Outro exemplo está ilustrado na imagem acima, onde há uma ligação com parafusos. Neste caso, há atrito nas superfícies de interface entre a chapa de ligação e a mesa da viga inferior. Este é um exemplo em que podem ser consideradas não linearidades no modelo de elementos finitos, associadas com o contato entre estas partes, entretanto, a depender de como os esforços estão distribuídos, sua consideração pode ser pouco relevante.

Assim, é a modelagem matemática que fundamentará a decisão do analista em considerar ou não essa característica do problema.
A partir deste entendimento, tomando os dois casos acima como exemplos, na construção do modelo matemático devemos fazer uma análise qualitativa sobre o problema. Adicionamente, uma análise quantitativa deve ser feita na intenção de se levantar valores de referência para as soluções obtidas no modelo de elementos finitos, ou seja, os valores devem convergir para um valor relativamente próximo.

Como elaborar o Modelo Matemático: ?

Na modelagem matemática, podemos utilizar de questionamentos a ser levantados e respondidos para construção do modelo. A seguir, estão apresentados uma série de pontos que podem ser relevantes numa determinada modelagem, contudo, cada problema exige uma avaliação própria, de tal modo que novos questionamentos podem ser aplicáveis.

Quais as grandezas eu preciso encontrar?

Em equipamentos industriais, podemos estar interessados no campo de tensões e nos esforços em suportes, bocais e conexões. Em trocadores de calor, o fluxo de calor certamente é importante. Numa estrutura metálica, além das tensões, deve-se avaliar os deslocamentos. Ou seja, cada problema implica numa demanda própria.

Quais fenômenos estão envolvidos no problema?

Uma vez que se sabe o que se deseja calcular, parte-se para as premissas e considerações sobre quais os fenômenos que estão envolvidos e que são relevantes para a análise. As forças de inércia são relevantes? há carregamentos sísmicos, vibrações oriundas de máquinas? Há forças relacionadas ao vento, corrente marinha etc? há máquinas que podem excitar o sistema em sua frequência natural? etc. O entendimento dos fenômenos é parte crucial no desenvolvimento de um bom modelo, pois é nesta etapa que se garante que um fenômeno importânte não está sendo deixado de lado.

Qual a natureza da análise?

A análise está limitada à análise linear ou serão considerados efeitos de segunda ordem? os materiais poderão trabalhar em regime plástico ou apenas em regime elástico? Quais e quantos são os casos de carregamento estudados? Eles se sobrepõem? Quais características geométricas serão relevantes e quais são simplificadas? Quais são as entradas e saídas de dados para as análises? etc. É importante que se faça uma análise global do problema, para que se possa mapear todos os eventos que ocorrem sobre o objeto estudado e como eles se relacionam.

Um bom exemplo que me vem à cabeça é o cálculo de frequências naturais de equipamentos sujeitos à altas pressões e/ou temperaturas. O estado inicial de tensões, altamente dependentes destas grandezas, influenciam diretamente da rigidez do sistema, que por sua vez é uma das variáveis utilizadas no cálculo de autovalores e autovetores do equipamento. Assim, uma simulação prévia, antes do cálculo principal (análise modal) se faz necessário.

Tantas outras questões podem ser levantadas para cada problema específico e, Inevitavelmente, é a experiência do analista que favorece o desenvolvimento deste trabalho. A seguir, há uma lista de erros comuns e que podem ser evitados facilmente com uma revisão cuidadosa na modelagem.

5 Erros Comuns na Modelagem Matemática:

Com base no que foi levantado, podemos elencar 5 erros cometidos na modelagem matemática de um problema em engenharia que tornam o modelo pouco favorável à análise pelo método dos elementos finitos.

Detalhes geométricos

É comum, quando iniciamos no mundo da análise por elementos finitos, tentarmos reproduzir todos os detalhes da geometria no modelo. Entretanto, o trabalho reside exatamente no processo de simplificação da geometria. Na maioria das vezes, quando pequenos detalhes estão presentes, há uma distorção da malha, com elementos finitos de qualidade muito baixa. Assim, avalia-se desconsiderar pequenos furos, cortes, chanfros, soldas, pequenas chapas e qualquer detalhe que esteja distante da região de interesse da análise.

Condições de contorno

Implementar as condições de contorno sem uma avaliação analítica. A exemplo de ligações aparafusadas que à primeira parece rígida, mas deve ser considerada como livre em direções de menor rigidez, ou ainda. Ou deslocamento relativo entre superfícies que podem ser substituídos por forças equivalentes.

Efeitos de segunda ordem

É muito comum que não seja avaliada a possibilidade da existência de efeitos de segunda ordem. Entretanto, quando os membros da estrutura são muito esbeltos, os deslocamentos podem ser relativamente grandes. O que pode não corresponder de maneira fidedigna ao fenômeno real.

Um professor da disciplina de análise não linear de estruturas repetia sempre: Se você colocar um jumbo (Boing 747 com alguma coisa entre 300 e 500 toneladas!) no teto de um prédio, ele vai mesmo ter deslocamentos da ordem de metros? com certeza não!

Outro bom exemplo é quando há sequenciamento na aplicação de carregamentos etc. Este último é comum em projeto de estruturas de modo geral (análise p-Delta).

Efeitos de outras físicas

Sempre que houver diferentes físicas envolvidas, há a necessidade de se estudar os efeitos sinérgicos entre elas. A exemplo de um problema estrutural que envolva fluxo térmico por convecção e/ou radiação. O valor do coeficiente de convecção (h) é função da temperatur da superficie, assim, pode ser preciso realizar uma análise de transferência de calor para a determinação do h. Outros problemas envolvem a interação entre fluido e estrutura etc.

Comportamento dos materiais

Dado o problema, conhecendo-se todo o conjunto de eventos a que estará submetido o objeto, o comportamento dos materiais deve ser avaliado com o objetivo de identificar variações em suas propriedades. Quando se tem o material trabalhando a um grande intervalo de temperaturas, então as propriedades podem variar significativamente. Quando estão submetidos à radiação ou trabalham em temperaturas muito baixas, há uma degradação da ductilidade. Se o material é um polímetro, então há degradação química quando exposto à luz do sol. Este são apenas alguns exemplos em que o comportamento do material é alterado de forma significativa em diferentes condições.

Os 5 erros listados acima, não estão presente apenas quando se utiliza o método dos elementos finitos, mas, sim, em qualquer contexto de análise de problemas físicos em engenharia. Portanto, são pontos que devem ser analisados anteriormente à modelagem numérica.

A seguir, abordo um pouco sobre a transposição do modelo matemático para o modelo em elementos finitos.

    Modelo Numérico: modelo em elementos finitos baseado em modelo matemático.

    Em posse do modelo matemático, conforme apresentado nos itens anteriores, o problema está definido. O próximo passo é a elaboração do modelo de elementos finitos, em que todas as premissas e considerações, previamente determinadas, serão implementadas.

    Um destaque deve ser dado à ideia de que o método dos elementos finitos fornece uma discretização do meio contínuo (veja Afinal de contas, o que é o método dos elementos finitos?), de tal modo que o modelo matemático, que, geralmente, é contínuo, deve ser discretizado, com a observação dos dados de entrada e saída da análise.

    Este foco é importante, uma vez que são essas as informações utilizadas na validação do modelo de elementos finitos. Caso a validação não ocorra, é necessário retomar o estudo inicial e elaborar um novo modelo matemático mais robusto (ou mais simplificado!), o que não é incomum na rotina do engenheiro. Esta etapa muitas vezes ocorre de forma iterativa e é crítica para a obtenção de uma boa análise, com resultados consistentes e confiáveis.

    Em resumo, a construção do modelo de elementos finitos será feita com base em questões que são respondidas pelo estudo que originou o modelo matemático, a exemplo de:

    • Que teoria estrutural será utilizada? vigas, placa, casca etc? (veja imagem acima sobre a ligação metálica, por exemplo).
    • Que elemento finito é adequado? (ou elementos finitos, quando for necessário mais de um tipo de elemento na malha – isso pode apresentar dificuldades para o solver)
    • Como citado anteriormente, de que maneira o material será implementado? os parâmetros são funções da temperatura ou do estado de tensões?
    • Como as condições de contorno devem ser inseridas no modelo de elementos finitos?
    • Que tipo de carregamentos são aplicados e em quais regiões?
    • Há regiões de contato que precisam ser modelados?
    • Que critérios serão utilizados para a qualidade da malha?

    Cada novo problema exige outras questões que devem ser levantadas para que o estudo seja enriquecido e se obtenha sucesso na análise.

    Conclusão

    Quando se observa todos os quesitos abordados, parece que o processo é complexo, mas a verdade é que a experiência é a melhor aliada quando se deseja construir uma análise por elementos finitos com qualidade. Naturalmente, avaliar todo o processo com cuidado é o caminho mais assertivo para que a solução encontrada seja satisfatória.

    Em contrapartida, a negligência destas etapas pode fazer com que a análise não corresponda a realidade e isso nem sempre pode ser percebido de imediato, visto que os softwares padronizam grande parte da modelagem e conseguem, em muitos casos, entregar soluções sem grande esforço por parte do analista. Quando isso ocorre, podem ser gerados altos custos para a indústria, retrabalhos, falhas em protótipos, estruturas superdimensionadas e até riscos à segurança.

    Indicação de Leituras:

    • Para mais leituras, no capítulo 1 do livro Vibrações Mecânicas (S. Rao), há um pequeno trecho sobre o assunto que pode elucidar melhor o tema abordado.
    • No artigo Mathematical modeling for structural analysis and design, do professor Pister, há uma abordagem mais aprofundada do tema.